Entrevista Óliver Torres — « O mais difícil no futebol é ter a noção do tempo e espaço. »

Remy Martins
34 min readApr 24, 2021
Créditos fotográficos : Instagram Óliver

Aos 26 anos, e depois de várias conquistas nas malas (Euro sub-19 de 2012, Copa del Rey 2013, La Liga 2014, Liga e Supertaça portuguesa 2018, Europa League 2020) o Extremeño continua, através do seu jogo, a promover a legitimidade da essência do jogo. Os dotes e o trabalho árduo ajudaram-lhe a chegar a um patamar altíssimo onde ainda demostra uma vontade inexorável de melhorar e atingir a sua melhor versão enquanto jogador.

Num desporto fundamentalmente activado pela emotividade (dixit M. Bielsa), o Óliver é daqueles que participam ao embelezamento do jogo. Consequentemente, a vontade de poder conversar sobre o mesmo era ainda maior e traduz-se nessa longa conversa transcrita.

Da inteligência de interpretação e execução ao sentido posicional. Da comunicação através do passe até ao sacrifício no momento sem bola. Da capacidade em arriscar ao erro inerente a criação. Do amor ao jogo até ao orgulho da profissão. Muitos temas foram abordados e, sempre, com aquele entusiasmo contagiante.

14 e 16 de abril. Foi mais de uma hora de conversa sobre o futebol. Enriquecedor, é a palavra que sobressai.

RM — Bom dia craque ! Tudo bem ?

OT — Tudo ! E contigo ?

RM — Tudo também. Desde já , eu queria te agradecer a ti e ao Rémi (podem ler a entrevista concedida ao “outro” Rémi, aqui) por proporcionar-me esta oportunidade de falar contigo sobre o jogo, que é o que mais amamos, não é ?

OT — Obrigado pelo convite. Na verdade, eu gosto dessas conversas sobre o futebol porque o bom do futebol é que não são matemáticas. Podes ter uma percepção disso e eu ter uma diferente. Por essa razão é que gosto de falar disso.

RMExatamente ! Então, bora começar. Fiz uns videos específicos sobre momentos com bola e sem bola para analizar juntos o teu jogo e as tuas principais características.

OT — Perfeito !

RM — A verdade é que ha certos lances que eu quero que me expliques em detalhe… Se falarmos, em especifico, daquela jogada frente ao Barça, no jogo de ida da copa, aquele passe que metes, de trivela, para o Rakitic… Isto é arte.

OT — Claro mas na época passada também fiz uma assistência muito melhor do que essa …

RM — Sim, contra o Getafe… Mas não lhe deram o mesmo valor e não teve tanta ressonância porque foi contra o Getafe.

Assistência primorosa, de trivela, frente ao Getafe no ano passado.

OT — Claro, há muitas vezes onde vais fazer grandes passes ou grandes coisas mas que acabam por não dar em nada (não são aproveitados) e aqueles não aparecem nos resumos ou, simplesmente, a gente acaba por não reparar nisso. Ha também que olhar para todos os detalhes e todas as coisas que se passam em campo. O que eu te estava a dizer é que, eu, muitas vezes não tenho a percepção de como isto acontece. Várias vezes as pessoas me dizem : “ Isto é muito difícil ” mas eu faço-o de maneira natural… Se calhar, outras coisas que são mais difíceis, por exemplo, a nível tático e tal, posso ter mais dificuldades. Não sei porquê.

Assistência do Óliver Torres. Copa del Rey — Meia Final — Sevilha x Barcelona

RM — Também tens predisposições para que isso aconteça… Vamos ver então esse lance, frente ao Barça. Primeiro, temos o Rekik que te passa a bola e, depois, vais receber com a perna mais distante para ter aquele entorno favorável e encarar o jogo de frente.. A seguir, tens o quê ? Se calhar, três segundos mais ou menos para pensar e executar… Do meu ponto de vista, parece-me que consegues ver instantaneamente aquele movimento do Rakitic..

OT — Primeiro, olho para todo o espaço e vejo que tenho tempo para poder fazer a recepção sem ter que encarar uma pressão direta nas minhas costas. Faço a recepção com o pé esquerdo para ter a possibilidade de fazer uma mudança de orientação para o outro lado com o pé direito mas vejo também que, aqui, não o Ivan mas o avançado, está a fazer um movimento e eu olho para isso. Depois, temporizo e volto em direção a linha lateral e é aí que vejo o Ivan entrar. Então, quando faço o passe sei que Umtiti tinha ficado um bocadinho atrasado.

RM — Acho que é o En-Neysiri, não estou seguro disso (Afinal era o De Jong), que faz aquele movimento na tua direção e arrasta com ele a pressão, o que permite ao Ivan atacar a profundidade…

OT — Acho também que sim.

RM — Como disseste, tens aquele toque intermediário que te permite esperar pelo momento adequado e te mete em posição favorável. Com o Ivan a entrar e o Umtiti, a comprometer, e muito. Depois, o passe é fabuloso, quebra a linha defensiva e permite a finalização do Ivan, que também é boa.

OT — Isso! Eu, nesse jogo, comecei no banco e estava a analizar que o Barça tinha a linha defensiva muito alta. Então, quando estás perante uma linha tão alta, precisas ter uma conexão com um jogador que entra desde a segunda linha… Ir em condução, aqui, é muito difícil porque a linha defensiva do Barça fica bastante em posição alta e muito poucas vezes irá para trás. Neste momento em que o Umtiti tenta alinhar-se, dando aquele passo em frente, ele fica, mesmo assim, atrasado, e permite estes segundos para que o Ivan faça o movimento e eu possa dar o passe.

RM — Exato.. Eu chamo isto de velocidade técnica porque tens poucos segundos para interpretar, pensar e decidir e, aquilo que tu fazes, tem uma incidência não só individual como também coletiva porque através dessa tomada de decisão, do toque intermediário e dessa trivela ajudas também o coletivo a ser mais rápido. Assim é que chegas a esta obra de arte. Ou menos, para mim, é.

OT — Ao final, tu tens que estar sempre a tentar, através dos teus controles e do teu jogo, dar vantagem ao colega. Nos passes, nas coberturas, em tudo ! Então, eu quando faço recepção para trás, estou dando uma indicação de que preciso apoios perto mas quando volto para meter-me cerca a linha lateral, aí já preciso outra coisa, ou seja, movimento no espaço..

RM — Aquele movimento que prioriza a profundidade não é ?

OT — É ! O Ivan lê muito bem o jogo e facilita as coisas então acaba por sair um passe « fácil ».

RM — Continuando nesse sentido, isto é talento, certo, mas como é que o desenvolveste, cultivaste-o, desde miúdo ? Sobretudo essa capacidade de tomada de decisão, velocidade de raciocínio e aquela qualidade na execução ?

OTPara mim, dou o exemplo duma coisa que dizia sempre o Xavi Hernandez : « o mais difícil no futebol é ter a noção do tempo e espaço. » Se olhares para muitos médios centros como eu o faço, para aprender, há muitos desses, de topo mundial, que são muito bons e reconhecidos pela gente mas que, várias vezes, só têm a bola olhando de frente para o jogo e não ficam, nunca, entre a defesa e o médio centro. Então, o meu jogo, como era médio interior e sempre tive esse perfil de poder rodar sobre mim, fez com que, ao longo da minha carreira, tivesse a noção de jogar em espaços muito pequenos, olhando muito para as minhas costas para ter referências do lateral, do central, do médio centro defensivo. Portanto, muitas vezes tento procurar esses espaços onde se fazem, realmente, os desequilíbrios no âmbito de que, não só eu como também outros jogadores possam ter essa vantagem dum espaço que eu acabei por criar, para poder rodar. Regularmente, sobretudo quando a bola vem para mim, eu já tenho de ter decidido o que eu vou fazer com ela : se é ficar com ela ou jogar ao primeiro toque, se é rodar sobre mim, se é dar de cara..

RM — Neste sentido, o contexto promovido pela formação, no futebol espanhol, em relação ao jogo e aquela relação privilegiada com a bola também ajudou muito, não é ?

OT — Muito, muito ! Quando és um jogador que quer ter uma dinâmica de posse muito alta precisas de que todo o conjunto jogue com o mesmo pensamento. Ao final, se quando tens a bola, sempre tens apoios, dás a bola e procuras outro espaço para dar apoio, fica tudo mais fácil. Ou seja, sempre tens que ter apoio « de cara » (frontal), na esquerda, na direita para poder ter opções.

2012 — Sub 19 — Espanha.

RM — Eu, pessoalmente, quando te vejo jogar, penso muitas vezes nas palavras do Paco Seirul.lo sobre a expressividade através do passe, ou seja, uma forma de comunicar com a bola. Poucas vezes fazes um passe que é neutro… A maioria das vezes procuras, através da recepção, sair favorecido para logo poder ter uma incidência, variar o centro do jogo para o lado contrário ou verticalizar o jogo. Isto é uma coisa que eu saliento muito.

OT — É que eu prefiro não ter uns 95% de eficácia de passe e ter uns 85% mas que os meus passes tenham algum sentido porque afinal o que queremos, nós os jogadores e as equipas em geral , no futebol, é ganhar o jogo. É verdade que, às vezes, a solução não se encontra na verticalidade e tens de procurar espaços movendo e fazendo bascular o adversário mas eu, quando percebo que há algum espaço onde posso fazer entrar a bola e que pode ser danoso para a equipa rival, sempre o tento procurar mesmo que eu erre o passe. Afinal, estás a errar um passe numa zona alta onde depois, podes pressionar.

RM — Se continuarmos nesse tema de desenvolvimento do talento desde miúdo, achas que para atingir o alto nível, como o teu, há que consentir arriscar com a bola e admitir o erro que acaba por ser uma possibilidade que é inerente a criação ?

OT — Sim, ou seja, a criação da jogada, diferenciada, muitas vezes acontece de coisas imprevisíveis. Assim do nada, olhas para um espaço que ninguém vê, há um colega que conecta-se contigo, identificas o espaço e causas danos. Obviamente, o mais difícil no futebol é poder decidir sempre bem. O que um médio centro tem de tentar é olhar para o jogo e ter uma boa leitura : ter o controle do jogo, noção do que precisa a equipa nesse momento porque, se calhar, tu estás a ver e pensar em fazer um passe muito bom mas a equipa precisa de ter a bola um bocado porque já fez muita transição… Por isso é que eu, como médio centro, concentro-me em dar a equipa o que precisa nesse determinado momento.

Por exemplo : Estamos a ter dificuldades na criação ? Baixar mais. Precisamos de fazer um movimento do interior por detrás da linha defensiva porque os laterais perseguem muito nossos extremos ? Então, há que procurar esse espaço.

É tentar ter um controle ou uma análise do que está a acontecer no jogo para poder tirar vantagem, fazer a diferença e poder ganhar os jogos.

RM — Exatamente e nesse sentido, eu acho que és um jogador, como disse o Guardiola, há alguns anos atrás, sobre o Schweinsteiger , que antes de pensar em si, em campo, vai pensar, muitas vezes, no bem estar do coletivo, na forma como tens que gerir o ritmo do jogo, saber o que ele exige e onde a tua criatividade ajuda, também na forma como arriscas, a evitar que tudo seja mais mecanizado e previsível…

OT — Exatamente ! Muitas vezes tem que acontecer coisas imprevisíveis porque, se não, tendo em conta que as equipas trabalham da melhor maneira e só circulas a bola dum lado para o outro, a equipa contrária vai bascular de forma natural. Então, tens que procurar que tudo seja em prol da equipa porque, afinal, é um jogo coletivo. Também, tens que tentar olhar para a equipa rival e saber o que precisa a tua própria equipa. Por exemplo, muitas vezes, eu vou fazer um movimento no espaço e não é para que eu fique com a bola mas é para que o central, o lateral ou outro médio centro tenha espaço para poder jogar com o ponta de lança e aí, logo, eu ofereço outros apoios. Para tal, há que ter movimento constante e uma relação entre todos os jogadores muito forte para que saia essa dinâmica de forma natural.

Crédito fotográfico : Instagram O. Torres

RM — Não posso concordar mais e, para ilustrar isso, tenho outro vídeo para te mostrar. Acho que ele te caracteriza muito enquanto jogador. É aquele lance frente ao Getafe que acaba com o golo do Lucas Ocampos. Tens a cabeça sempre levantada, estás de costas viradas para a baliza contrária. Olhas para direita, para esquerda, e outra vez para esquerda antes de receber a bola e identificas assim o espaço que pode ser explorado devido ao posicionamento do Aleix Vidal e da movimentação da ultima linha do Getafe, que está a subir. Depois é a tua qualidade absurda no passe para desenvolver a jogada… Só que o golo é anulado, já não sei porquê..

Compreensão do jogo, recolha de informação, atento as referências e qualidade na execução. (Sevilla x Getafe — Jornada 22 de LaLiga)

OT — É porque o Ocampos toca na bola com a mão. Eu aqui, quando estou a voltar (para trás), primeiro, olho para trás porque sei que pode vir alguém atrás de mim e também olho para minha esquerda e vejo que está Joan, que havia batido o canto antes, e outro jogador. Também sabia que os jogadores do Getafe, no momento em que eu ia receber para trás, iam sair todos.

RM — E é mesmo o que fizeram… e usufruíste daquele momento onde estavam a subir.

OT- Claro ! Com equipas como o Getafe, muito fortes em bloco defensivo, muitas vezes esses « contra ataques », quando está a equipa a sair, são os que fazem a diferença. Afinal eu faço a recepção e, através desse controle, já sei que o passe vai ser dirigido para aí. O que eu preciso, nessa situação, é que o meu colega lê a jogada da mesma forma que eu para que ele faça o movimento adequado porque, às vezes, o que acontece é que eu recibo a bola e tenho uma ideia clara na minha cabeça ou olho para um espaço mas ninguém faz um movimento para essa zona… Então, tenho que procurar outra opção e isso acontece em milésimos de segundos…

RM — Outra vez, é uma amostra da tal noção do tempo e espaço : saber decidir em poucos segundos, como, às vezes, também é preciso esperar pelo acontecimento adequado para poder desenvolver a jogada… Algo que tu fazes muito bem.

OT — Sim ! Afinal, saber olhar para o jogo de maneira fria e saber o que precisa a equipa em cada momento é o mais difícil porque todos os jogos são diferentes. Há partidos em que nós, como equipa, estamos melhores e as coisas saem de forma natural mas há outros em que não estamos tão bem e tens que procurar outras coisas… Há jogos onde, pessoalmente, também não estás bem e há outros em que sabes que qualquer bola que toques vai ser boa. Eu, ao longo do tempo, tento arriscar em zonas altas porque, antes, muitas vezes fazia umas coisas de « puto risco » em zonas baixas … Bom, ainda faço algumas (*risos*) com a certeza de que muitas vezes, isso, pode te tirar mais do que te dá. Mas também é verdade que, várias vezes, precisas de este momento de lucidez em zonas baixas para quebrar uma pressão de cinco ou seis jogadores, fazer uma mudança de orientação e que tudo fica mais fácil. Mas, tens de ter essa seguridade em tudo o que tu fazes.

RM — Claramente mas quando se tem a tua qualidade técnica na execução também ajuda não é ?

OT — Pois, sim … *risos*

RM — Eu já te vi em zonas baixas, com forte pressão sobre ti, a conseguir sair com grande qualidade e com o coletivo todo a sair beneficiado com isso.. E nesse sentido penso nas palavras do J. Lillo, adjunto do Guardiola no City, que disse que para poder progredir de forma competente e instalar-se em campo contrário tens que assegurar uma construção desde trás muito boa.. Nesse tema, acho que és dos melhores jogadores a atuar na Europa.

OT Nós, por exemplo, que sempre tentamos progredir desde as zonas baixas, obviamente que, bastante vezes, tens que fazer alguma jogada individual porque senão é muito difícil passar uma linha que te está a pressionar ou uma linha que está a bascular de forma natural. Então, tens que focar-te em, com seguridade, em buscar o espaço onde possas progredir da melhor maneira e sempre dar vantagem ao colega. Acho que o mais importante no futebol, seja em qualquer momento em campo, seja um passe x ou y, é como tu dás a bola ao teu colega para criar condições onde ele possa melhorar a jogada.

RM — Pois, concordo, o contexto criado é importante. Mudando de assunto e olhando para outra forma de ver o quão cerebral és, porque acho que a tua qualidade passa muito por isso, quero abordar contigo aquele momento sem bola. Não és um jogador que despreza aquele momento. Se calhar, no início da tua carreira, tinhas alguma dificuldades em encarar um duelo e superiorizar-te mas, mesmo assim, acho que sempre tiveste aquela capacidade de antecipação e leitura.

Aliás, a meu ver és um jogador que se destaca, não só pela qualidade técnica, interpretação, inteligência posicional e na capacidade no primeiro toque mas, também, nessas tarefas sem a bola, na tentativa de recuperação, em razão de essa capacidade cognitiva.

Por isso, quero que olhemos para esse vídeo específico.

Análise Vídeo

É uma jogada frente ao Elche que destaca a tua capacidade de leitura onde vais perceber a linha de passe escolhida pelo jogador contrário. Sais na pressão no tempo certo, que é quando a bola sai do pé do rival, e depois vais ajudar a criar uma situação de superioridade numérica. Com isso, recuperas a bola e com a cabeça levantada vês o movimento do Nesyri e defines de forma exímia. Desde logo, é capacidade de interpretação / recuperação aliada a tua capacidade técnica e talento.

Depois, na mesma linha de raciocínio tens esse outro exemplo frente ao Osasuna, no ano passado. Consegues ler e antecipar a tomada de decisão do adversário. Forte na pressão, acabas por conseguir recuperar a bola. A saída em condução é de grande nível. Esperas pela movimentação do central, que muda os apoios, e assistes o Nesyri.

Também, tens esses exemplos frente ao Dortmund e o Celta, que refletem o meu pensamento. É que eu, poucas vezes, vi um criativo tão empolgado nessa tarefa de pressão, de coordenação posicional, tentativa de antecipação e recuperação. Não é assim tão comum ver criativos tão abnegados como tu.

Se olharmos para o teu percurso, em Portugal, se calhar sofreste um bocadinho deste estereótipo de não seres tão atlético, tão robusto como outros e devido a isso havia análises, nessa matéria, que não foram, para mim, corretas em relação ao teu jogo. O que é que pensas disso em particular ?

OT — Eu acho que é uma análise que se faz muitas vezes sobre jogadores como eu. É que parece que só és agressivo, que só recuperas bolas quando fazes um carrinho mas isso não reflete a verdade porque, várias vezes, só por estarmos num espaço específico ou através da antecipação e uma boa percepção do que está a acontecer nas tuas costas, ou nas tuas laterais, sobretudo nas segundas bolas, também induz ser competente. Eu, aí, considero que eu sou um jogador muito sacrificado porque, para mim, muitas vezes, seria muito mais fácil esperar na zona do 8 ou 10 que me dessem a bola e estar muito mais fresco mas não ! No futebol tens que correr. Em quase todos os jogos que eu jogo, sou o jogador que mais corre…

RM — Exatamente e nesse sentido quero falar contigo porque há uma analogia que pode ser feita com o Pedri, do Barcelona. É um jogador que te é parecido. Ele corre e trabalha também muitíssimo nesse momento de tentativa de recuperação da bola. E mesmo assim continua a haver pessoas que dizem que é um jogador sem capacidade para encarar este momento porque não tem aquela robustez física.. Não faz sentido nenhum. Concordas ?

Créditos fotográficos: Marc Delacrétaz

OT — Para mim não faz sentido nenhum porque parece que quando olhas para um corpo que é muito alto e muito forte e muito tal, fisicamente é incrível mas para mim uma coisa não tem a ver com a outra. Ou seja, ser bom defensivamente não é por aí. Por exemplo, muitas vezes, como médio centro, se vem a bola alta, eu sou inteligente e não vou saltar com o avançado contrário porque não a vou ganhar. Eu vou deixar que salte alguém para eu procurar a segunda bola.

RM — Outra vez, cerebral !

OT — Claro ! Porque se vou para um duelo aéreo com um jogador, não serei ganhador. Então é perder um jogador. A mim, logo, me perdem para outra tarefa defensiva. Por isso, eu tento dar as minhas possibilidades no âmbito de poder ajudar a equipa defensivamente em todos os momentos. Pode ser através do ato de fechar espaços ou fazer uma cobertura ao lateral ou ao central que saiu desde trás ou, quando a bola estar na linha do fundo, posicionar-me na zona do ponto de pênalti para precaver os cruzamentos atrasados… É verdade que, jogadores como eu ou o Pedri ou de este tipo, como não somos tão espetaculares na hora de roubar bolas, para certas pessoas, é como se estivéssemos desconectados e para mim, isso, não é verdade.

RM — Pois, é muito por aí. E eu queria fazer esta analogia com o Pedri porque vejo muitas similitudes entre vocês. A verdade é que acho que o vosso perfil, enquanto jogador, tem que ser considerado e usado da melhor maneira, no momento em que se tenta recuperar a bola, porque coincide com essa capacidade de grande atividade, dessa vontade de correr, de antecipação, etc… Ensinar a um jogador assim, que é muito bom quando elabora com bola, em coordenar-se defensivamente é mais fácil do que ensinar a um jogador com muita mais capacidade atlética, de robustez, etc., mas que dificilmente consegue associar-se com bola, em poder elaborar com ela . Concordas ?

OT — Totalmente ! Eu, por exemplo, se fosse em todos os jogos a pessoa que mais corria ou mais bolas roubava, iriam dizer que não dou a equipa o que ela precisa e que eu devia dar outra coisa a equipa. Então, se pensas assim estás a valorizar coisas diferentes. O análise é outro.

RM — É dualidade de critério !

OT — Dualidade de critério, totalmente ! Eu, porque é que sou futebolista ? O que é que fez que me tornei futebolista ? O que é que me permite poder jogar ? A minha essência ! Então, essa essência, tem que estar presente no meu jogo e não a posso perder. Obviamente que para ser um melhor jogador tens que fazer as outras coisas. Para mim, apenas correr e roubar, não dá. Não o posso considerar mas, somente a bola nos pés, também não. Tens de procurar um « mix » para, ajudando a equipa em tarefa defensiva e ofensivas, poder tirar proveito da tua essência no jogo.

RM — É muito por aí. Não podes considerar um só momento (posse / recuperação). Tens que olhar para ambos…

OT — É isso. Por exemplo, agora a figura do 10 no futebol não existe muito porque o número 10, hoje em dia, tem que trabalhar muito. Não há nenhum jogador que, unicamente, esteja a espera que chegue a bola para poder jogar. Esse jogador sempre seria um jogador muito talentoso, muito bom mas seria de crítica muito fácil. Toda a gente o criticaria porque não faz tal ou tal coisa. No futebol é verdade que há jogadores para quem os critérios, e a maneira de olhar, para eles, são muito diferentes. Por isso é que eu gostava também, no futuro, de ser Scout no âmbito de poder olhar para essas coisas através da minha experiência porque eu já as vivi. Eu, por exemplo, acabo um jogo e, « a lo mejor », acho que joguei muito bem e logo, se calhar, olho para a crítica e diz que não joguei bem. Porém, outras vezes, eu acho que cometi muitos erros mas como fiz um lance muito bom já parece que fui o melhor em campo. Então, tens de ter essa noção pessoal e saber o que estás a fazer bem, o que estás a fazer mal, o que tens de melhorar e acaba por ser um « mix » de tudo.

RM — Notaste alguma diferença sobre isso entre as análises enquanto estiveste em Espanha e enquanto estiveste em Portugal ? Em Portugal, se calhar, notaste alguma propensão em preocupar-se mais pela organização defensiva, o controle dos espaços defensivos, preocupação em defender a própria baliza antes de pensar em atacar a do rival, superiorizar-se nos duelos… ?

OT — No futebol , o que acontece é que, muitas vezes, não só se olha para o jogador mas também para sua história. A mim não me vão valorizar da mesma forma se eu assino pelo Porto grátis ou se têm de pagar 20 M€ por mim… Percebes ?

RM — Claro, o contexto tem incidência…

OT — Então, aí , a análise começa duma forma estranha porque já não estás a olhar para esse jogador de forma objectiva. De facto, aqui em Espanha, aconteceu com muitos jogadores que são muito bons mas como custaram muito sempre parece que tens de fazer alguma coisa extraordinária para poder justificar isso e muitas vezes não pode ser assim porque isso não o controlamos. É verdade que as análises têm que ser muito mais profundas. Por exemplo, quando um jogador não faz um bom jogo, também é possível que a culpa não seja dele. Pode ser a culpa do colectivo, da equipa adversária, do contexto inerente ao jogo, de muitas coisas… É muito fácil dizer : Oliver Torres, não fez nada com bola e também não ajudou em tarefas defensivas. Isso é muito fácil de escrever e já está.

RM — Se focarmos-nos outra vez no teu perfil de médio criativo onde há que consentir que o erro é mais provável porque arrisca-se mais, acho que é necessário também consentir que é um perfil que dá uma mais valia inegável. Por exemplo : aquele passe que vai quebrar uma linha de pressão com 4 ou 5 jogadores ou outros tipos de interações, que vão permitir ao coletivo sair claramente favorecido, é inerente ao perfil criativo. Então, como já o disseste não podes prescindir dessa essência do jogador e o desnaturar…

No que já viveste nas tuas experiências em clubes, já tiveste que lidar com treinadores que exigiam muito de ti mas não permitiam o erro ou onde se exigia um certo desnaturamento da tua essência criativa ?

OT — Acho que o erro tem de ser permitido quer para jogadores criativos, quer para os não criativos porque, afinal, faz parte do futebol. E mais, acho que quando um jogador comete um erro, no jogo a seguir tem de jogar para demostrar a confiança que o treinador lhe dá porque o jogador necessita ter a oportunidade de redimir-se e fazer o seu melhor. Agora, eu, na minha experiência, houve algumas vezes em que tentei fazer coisas que não eram o meu ponto forte. Eu tentava ser muito tático, fechar sempre os espaços e depois não conseguia ser o criativo que tinha que ser com a bola enquanto sou um jogador que se caracteriza por ser criativo. Obviamente, ao longo dos anos, o futebol evoluiu muito e agora ser só criativo não funciona e tens de ter no teu futebol muitas mais coisas no âmbito de ser mais completo. A verdade é que todos os jogadores, agora, se preparam da melhor maneira para diferenciar-se dos outros e a diferença acaba por ser tão pouca que tens de tentar tirar vantagem de qualquer detalhe. Porém a tua essência, não a podes deixar nunca. Tens, é que somar-lhe outras coisas.

RM — É isso, há que adaptar-se a forma como o jogo evoluiu. Porém, achas que para que um treinador possa usufruir das tuas qualidades, ou seja, de interpretação do jogo, de criatividade e imprevisibilidade, há que garantir e pensar numa certa organização coletiva para minimizar as consequências dum, possível, erro e assim, te ajudar ? Afinal, no momento do pós-perda, a equipa tem de estar preparada.

OT — Sim mas isso não é válido só quando um jogador criativo erra um passe. Afinal o futebol é feito de erros.. Se tu analisas os golos, quase todos são consequências de erros individuais e também coletivos. Acho que o treinador tem que é tratar de que a equipa saiba em qualquer momento o que tem de fazer. Para mim, isso é que é competir. Nos momentos com bola, saber como tem de estar a equipa. Quando a bola se perde, saber como reagir a essa perda. Por exemplo, se estás num bloco baixo, ter as linhas muito juntas para que o rival não possa entrar por dentro e que o jogo seja por fora. Enfim, o treinador tem que procurar soluções para que a equipa esteja preparadíssima para qualquer coisa que aconteça.

RM- Também partilho esse ponto de vista mas queria ter a tua opinião. Para ir mais além, gostava de saber que diferenças notaste entre Espanha e Portugal sobre o facto de sacrificar / prescindir de jogadores cerebrais e criativos ? Em Portugal, vê-se muitos jogadores serem preteridos em prol de jogadores menos competentes com bola mas com um perfil mais atlético, impetuoso.

OT — Penso que não é questão de país, tampouco de filosofia. Isso tem a ver muito com a forma que o treinador quer ganhar os jogos. No futebol, está comprovado que Guardiola ganhou uma Premier com muito jogo posicional, de posse mas também foram ganhadas muitas Premier League com um jogo mais defensivo e, quiçá, mais de contra ataque. Tudo isso é lícito. Ter mais jogadores criativos ou mais jogadores defensivos na equipa não significa que uma seja melhor ou pior. São diferentes formas de pensar. Obviamente que eu acredito mais numa forma que promove o domínio da bola e do jogo porque permite criar mais possibilidades de chegar até a baliza contrária. Porém, várias vezes, o só controle do jogo não faz sentido porque se vê equipas que têm, se calhar, 75% de posse e acabam por perder o jogo. Por esse motivo, penso que isso tem muito a ver com ter essa posse de bola, ter uma dinâmica coletiva, usando esse domínio, unicamente se é para ganhar o jogo. Se não o é, não tem sentido. Fazer circular a bola entre os centrais, entre o trinco, etc, é fácil porque frente a essas equipas, a maioria dos rivais vão esperar em campo próprio para poder explorar o contra ataque. O mais difícil é arranjar soluções para que esse domínio resulte em ocasiões claras de golo.

RM- A verdade é que tu ajudas muito para que tal aconteça. Queria te mostrar outro vídeo onde podemos comprovar essa vontade de procurar determinados espaços para ajudar a desmontar a organização contrária. Essas sequências foram frente ao Getafe.

Análise vídeo / Inteligência posicional

Podemos ver que tens uma clara preocupação em posicionar-te em espaços, na costa da segunda linha de pressão do Getafe, que possam dar vantagem a ti como ao coletivo.

O lance começa com uma circulação de bola, desde trás, dum lado para o outro, a procura de solução perante a pressão forte do Getafe. Estás sempre a movimentar-te naquelas zonas entrelinhas. Depois da variação do centro do jogo, a basculação do Getafe não é boa e consegues aproveitar o tal espaço nas costas da segunda linha de pressão. A seguir, aparece aquela tua inteligência na orientação corporal no âmbito de estar frente ao jogo e tens, aí, muito espaço para decidir. Tabelas com o Joan Jordan e fazes aquela variação longa do centro do jogo, que é uma coisa que fazes sempre com grande qualidade.

Enfim, através desse exemplo queria o teu ponto de vista sobre essa sequência e, também, te perguntar como é que desenvolveste aquela inteligência posicional ao longo dos anos ?

OT — Se reparas nessas imagens, há quatro defesas e dois trincos. O Getafe, neste caso, pressionava com dois pontas de lança, dois médios centros posicionais e dois extremos. Então era uma situação de 6 versus 6 (Sevilha a construir em 4+2), e eles iam muito para o homem (referências individuais). Nós, como tínhamos os nossos extremos bem abertos e um ponta de lança que fixava os dois centrais contrários, havia espaço entre as costas do pivot defensivo e os centrais. Consequentemente, eu sempre tentava estar perto da bola mas sem estar em frente dos dois « pivotes » porque, se não fizesse isso, era mais fácil para eles referenciar-me. Por isso, quando recibo a bola do Jesús, eu já sei que estou sozinho e que eu posso fazer aquela recepção para encarar o campo contrário de frente. Há outras vezes onde, devido a uma má orientação minha, tenho de fazer mais toques para poder orientar-me bem. O melhor seria, com menos toques possíveis, orientar-me « de cara » a área rival. Depois, vejo o Joan a atacar o espaço mas, já sei, quando ele me devolve a bola, que no outro lado, o meu colega está sozinho porque o Getafe está basculando. Muitas vezes, há que olhar para o lado contrário onde cria-se espaço porque as equipas tentam ir a procura da bola no lado ativo (onde ela se encontra). Também, sobre os espaços, se reparas bem, o homem do jogo, que está quase sempre bem colocado, é o árbitro porque está ao centro de tudo e sempre há muito espaço onde ele está. Por vezes, penso nessa referência, de estar perto do árbitro, porque é onde sempre há muitos espaços entre os jogadores.

RM — E é como se diz, quando tens a bola tens de ampliar o campo, e tu o fazes muito bem como o vimos aqui. Ao contrário, quando não a tens, há que reduzir os espaços. O Lope ajudou-te nessa capacidade de movimentação e posicionamento entrelinhas ?

OT — Sim, muito, muito ! Ele mostra-me vídeos também para identificar zonas « quentes » onde eu tenho de estar. Afinal, são as zonas mais difíceis porque tens pouco tempo e espaço para decidir e quando vem a bola tens de saber logo o que vais fazer com ela. Se tu demoras um bocado mais do que devias, já tens aí um jogador rival a aparecer para te roubar a bola. Tento, sempre, nos treinos aplicar isso, mesmo que muitas vezes perco a bola, para que depois no jogo seja algo que saia de forma natural.

Créditos fotográficos : Instagram Óliver

RM — Olhando para a importância do contexto no futebol. Achas que o modelo de jogo onde estás inserido e a ideologia dum treinador pode condicionar o teu rendimento e impor-te um teto de vidro que é difícil de quebrar ? Aliás, como vimos no Porto com o Nuno Espírito Santo e o Sérgio Conceição em que era uma forma de jogar muito mais direta do que a que conheces agora com o Lopetegui, e onde tiveste que coincidir com funções diferentes. Penso, por exemplo, no duplo pivot, no Porto do Sergio Conceição, que não é o que te dá mais conforto.

OT — Sim. Obviamente que, para mim, o modelo de jogo que mais gosto é o 4x3x3 e tenho que ser um jogador com muita liberdade para poder movimentar-me perto da bola no âmbito de arranjar soluções para os meus colegas. Essa é a minha essência e é o que eu mais gosto mas é verdade que também tens que adaptar isso a nível tático. É óbvio que o modelo de jogo do mister (Lopetegui), olhando para as minhas características, é o melhor. Devido a esse modelo, num jogo, posso fazer 70 ou 75 passes e isso é muito e, então, fico muito cômodo com esta situação. Além disso, tento sempre de melhorar para poder jogar de trinco, de 8 ou de 10 e ter a noção de poder jogar nessas diferentes posições. Contudo, para mim, a melhor, seria uma das posições de médio interior, com muita liberdade.

RM — E eu ia te perguntar isso mesmo… É que já jogaste na posição de 6, interior direito, interior esquerdo e até extremo. Ia te perguntar que função ou posição preferias mas acabas por responder, e bem ! Agora, se continuarmos a falar do Lope, como é que ele trabalha diariamente ? É um treinador que me diz muito. Quais são os métodos de treinos que ele valoriza ? O que é que ele promove, exige e trabalha mais ? Presumo que seja muito trabalho com bola, movimentações e interações…

OT — Pois, a forma de ver o jogo do mister passa por ter a bola e, de facto, todos os treinos são com bola. Trabalhamos muito a saída em construção desde trás. Também, fazemos exercícios de posicionamento onde se junta muita gente num lado e, através de poucos toques, tenta-se conseguir mudar para o lado contrário no âmbito de encontrar o espaço certo no momento correto. Igualmente, trabalhamos muito através de exercícios de posse de bola e reação a perda que constituem a razão para qual o nosso sistema de jogo é muito importante porque nós, ao estarmos, às vezes, muito juntos para ter essa posse de bola, no momento da perda, se reagirmos muito forte e rápido, retomamos o controle e voltamos a atacar. Ele está sempre focado em, quando temos a bola, esperar pelo momento certo para poder ferir o adversário e, quando não a temos, sermos muito competentes na reação a perda para poder recuperar o controle o mais depressa possível.

RM — Afinal, como já o disseste previamente, coincide muito com as tuas características. Aliás, tu, para esperares pelo momento adequado e fazer aquele passe maravilhoso, és muito bom !

Agora, se voltarmos as tuas ideias e opiniões, tenho uma ideia sobre a resposta mas : És dos que pensam que, para diminuir ao máximo as capacidades do adversário, há que superiorizar-se com bola e pressionar alto no momento da perda mesmo que isto coincide com a ampliação dos teus próprios espaços defensivos ou preferes adoptar uma atitude de reação numa certa forma de especulação ?

OT — Eu prefiro sempre pressionar muito alto porque, para mim, fica sempre mais difícil quando estou pressionado alto. Então, acho que é válido para os adversários também. Se nós termos a noção de que, devido ao facto de pressionarmos alto, eles, muitas vezes vão usar o jogo longo, que temos que estar prontos para encarar as segundas bolas e, a partir daí, começar a impor o nosso jogo, para mim é o melhor. Às vezes, estar em zonas intermédias e saltar a pressionar alto é muito bom mas outras vezes, há equipas que, através do seu potencial, te dominam e aí é complicado não juntar-se enquanto equipa, fechar os espaços interiores para que joguem por fora e poder pressionar próximo da linha lateral mas também tentar impedir que fazem a variação para o lado contrário.

RM — Então se tiveres que jogar frente ao City do Pep, tentarias, no início ao menos, condicionar através da pressão alta e tentar superiorizar-se com a bola ?

OT — No início sim ! Obviamente que com o potencial do City, muitas vezes, estarias em bloco médio baixo mas aí tens de ter a capacidade de passar, muito rapidamente, de bloco médio ao bloco que te permite pressionar alto. Se enfrentas uma equipa que tem assim muito domínio com bola e acabas por deixar-lhe espaço e tempo para pensar, em 90 minutos, vão criar muitas ocasiões de perigo, com certeza.

RM — É isso, mais tempo lhes dás para pensar, mais probabilidades vão ter de te ferir…

OT — Claramente. No futebol, quanto mais tempo tens, mais fácil é para decidir.

RM — Voltando para a tua situação neste Sevilha, é um grupo muito competitivo nessa zona do meio campo e tens que encarar forte concorrência. Como é que lidas com isso ? Psicologicamente, será que te ajuda a nunca estar inserido numa certa zona de conforto, que pode ser danosa ?

OT — Há duas formas de tratar a concorrência. Uma é dizer, fod*-se , que difícil, são muitos jogadores para a minha posição, etc. A outra é : pronto, eu vou tratar de dar o meu melhor e, assim, também vou ter influência no meu colega para que ele dê o seu melhor. Com isso, vamos todos melhorar e crescer. O mais importante, afinal, é o coletivo porque é o que te ajuda a seres melhor também a nível individual. Eu foco-me nos meus parceiros, olho para eles e olho para mim e procuro tentar fazer o que eu posso acrescentar de diferente ao grupo. Mesmo que sejamos jogadores muito parecidos, somos também diferentes em várias coisas.

RM — A verdade é que vocês são muito complementares. Acho que há uma certa empatia futebolística entre vocês todos nessa zona do meio campo, e podem coincidir todos nesse meio campo a três. É uma das grandes forças do Sevilha, a meu ver.

OT — Muito ! Mas não só no meio campo. Acho que uma das nossas grandes forças é que, independente de quem joga, aquele que acaba por ser escolhido está sempre bem, sempre dá a equipa o que precisa e isso faz a diferença em todos os sentidos.

Créditos fotográficos : Instagram Óliver

RM — É muito por aí, sim! Agora, uma pergunta mais filosófica sobre as tuas recentes declarações onde nota-se muita paixão e amor ao jogo. Quando falo de amor ao jogo falo daquele amor que temos quando somos miúdos, que passamos horas e horas a jogar a bola. Há certos treinadores, como Bielsa e Sampaoli, que falam disso e chamam isso o « espiritu amateur ». Achas que é uma característica imprescindível para um jogador poder atingir um certo patamar? Ou seja, nunca perder esse amor ao jogo e impedir deixar-se viciar pelo dinheiro ou a fama ?

OT — Acho que sim, é essencial porque o que permitiu ter essa fama ou esse dinheiro é esse menino de 3 anos, que é quando se começa a jogar a bola, mas também não é fácil porque tua vida muda radicalmente. Eu sou um jogador que fica preocupado, triste e chato quando as coisas não estão a correr bem porque sou ambicioso e quero chegar a minha melhor versão enquanto jogador. Por consequência, quanto tenho que encarar momentos menos bons, tento sempre lembrar me desses tempos quando eu era ainda um menino, quando tinha que pagar para poder jogar a bola, de quando eu estava sozinho no meu bairro a jogar contra uma parede… Acho que isso é a essência e o bonito do futebol. Aliás, sempre que eu jogo é sempre com a noção das responsabilidades mas também trato de desfrutar porque ser jogador profissional de futebol é a melhor coisa que, a nível pessoal, me aconteceu. A verdade é que, várias vezes, acabas por não desfrutar porque pensas muito : « tenho de fazer um bom jogo, agora tenho que fazer isto bem… » e acabas por perder a noção que o futebol, a ti, é a coisa que tem de te fazer mais feliz e, é mesmo isso, é o que te faz mais feliz.

RMHoje em dia, se olharmos para a evolução da sociedade, podemos dizer que não está a ajudar muito nesse sentido porque, agora, os miúdos jogam cada vez menos à bola. Existem outras formas de distrações para os miúdos que ja não saem tanto e ficam mais em casa : tablets, smartphones, computadores, gaming…

OT — Sim, eu fico muito triste quando vou para os parques e já não há miúdos com camisolas postas no chão para fazer de baliza, a jogarem à bola… Fico mesmo muito triste porque, para mim, o desporto, em geral, é muito importante para desenvolver valores. Mas se olharmos para o futebol, bastantes vezes, por uma grande parte da sociedade, ele é criticado porque « Somos meninos que não fazemos nada, a não ser, correr atrás duma bola »… O futebol é muito mais que isso. É paixão, é alegria, é esforço, é trabalho e sacrifícios, é companheirismo… Tem tantos valores para oferecer, que são tão bonitos, que deveria ser um exemplo para a sociedade.

“ Quanto tenho que encarar momentos menos bons, tento sempre lembrar me desses tempos quando eu era ainda um menino, quando tinha que pagar para poder jogar a bola, de quando eu estava sozinho no meu bairro a jogar contra uma parede… Acho que isso é a essência e o bonito do futebol. “

RM — Concordo plenamente. E por falar em simplificações danosa, o que pensas desta vontade dos comentadores futebolísticos ou das pessoas, em gerais, de olhar para um jogo de futebol e querer descomplexificar a informação ? Por exemplo, há um jogo do Sevilha que está prestes a começar, aparece no ecrã a disposição dos jogadores, e os comentadores vão anunciar « Hoje o Sevilha vai jogar em 4x3x3 ». Desde logo, há uma simplificação que é feita através deste sistema básico, único, que acaba por ser perniciosa para as pessoas que vão receber essa informação, a guardar em mente e não procurar ir mais além na compreensão das dinâmicas em função de cada momento que o jogo oferece. Afinal, o 4x3x3 é o ponto de partida mas, por si só, tem uma incidência mínima.

OT — Sim, é certo porque, realmente, no papel pode ser 4x3x3 mas muitas vezes, se olharmos bem, na hora de pressionar, estás em 4x4x2 ou, na hora de construir desde trás, estás em 3x4x3 ou 5x3x2. O momento do jogo e as variações são constantes ! Eu, muitas vezes, vejo os jogos sem comentadores porque têm uma influência muito importante na gente que está a ver o jogo. Por exemplo, se estás a jogar e tu falhas uma bola eu posso dizer « Olha, o Rémy está muito mal porque falhou aquela bola » e aí, a gente vai logo pensar « Rémy, muito fraco, tem de sair » mas também posso dizer « Oh, Rémy falhou a bola mas que boa era a intenção » e a gente acaba por pensar « que boa era a intenção, o Rémy esteve muito bem ». Então, trato de não ouvir e ter minha própria analise através do que os meus olhos veem e olhar para o jogo com outra perspectiva.

RM — Era mesmo onde eu queria chegar. Agora, uma pergunta sobre os jovens, que procuram espaço nos planteis principais, como é o caso no Porto, por exemplo : o que é que consideras essencial para cultivar o talento desses jogadores e ajudá-los em encontrarem o seu espaço ?

OT — Para mim, no futebol, há muitos jogadores que têm todas as qualidades para serem muito bons mas só precisam de oportunidades, de tempo de jogo, cometer um erro e voltar a jogar porque aí é que se faz a aprendizagem.

RM- Claro! Continuidade !

OT — Mas é difícil ter uma conexão entre ser exitoso, ganhar e incluir « meninos novos ».

RM — Mas há que criar um contexto específico para poder incluir aqueles jogadores, não, logo, para fazer deles uns titulares indiscutíveis, mas oferecer-lhes um contexto que permite minutos e continuidade no âmbito de cultivar aquele talento… Acho que é essencial.

OT — O talento tem de ser cultivado, totalemente !

RM — Claro! Há vários jogadores talentosos que acabam por não terem aquela oportunidade…

OT — Sim mas, muitas vezes, é devido ao facto que esses jogadores também acham que com o talento já não se precisa mais nada e no futebol, agora, não é assim. Ou seja, o talento tens de o cultivar através do jogo mas não só. É preciso muito trabalho e muita exigência pessoal. Tens que procurar soluções, quando a situação não está a correr bem, em vez de de arranjar desculpas. Isso tudo também é talento porque ele não se observa só nos pés mas também na cabeça.

RM — Relativamente a esses jovens do Porto, que procuram espaço e minutos mas para quem está a ser difícil : Fábio Vieira, Romário Baró, por exemplo, achas que explica-se através dessa priorização, que abordamos previamente, de jogadores com características mais atléticas, de robustez, pensando numa certa seguridade na zona do meio campo que seria permitida pelo duplo pivot ?

OT — O Porto neste momento está a jogar num 4x4x2 muito claro com dois « pivotes » mais fortes. Mas, na maioria dos jogos, o Porto tem sempre o domínio da bola e eu acho que, nessas condições, muitas vezes, não precisas de dois trincos. Poderia ser um trinco associado a um jogador um bocado mais criativo mas eu não sou treinador. Também penso que, nos casos do Fábio Vieira e Romário, têm de focar-se em tentar melhorar as características que eles têm porque ainda são muito novos para que, no futuro, possam jogar num duplo pivot.

RM — Não posso concordar mais. Eu, sinceramente, acho que têm condições para isso mas será-lhes concedido o tempo necessário ? Houve o exemplo do Vitinha, no ano passado, que saiu para os Wolves.. Esses jovem não têm tanto tempo para aprender e não podem errar…

OT — O problema é que estás a falar dum dos melhores clubes na Europa. Aqui não é « não te estão a dar oportunidade numa equipa normal », aqui traduz-se um contexto de dar uma oportunidade numa das melhores equipas, com jogadores que são dos melhores da Europa… Desde logo, mesmo por muito bom que sejas tens de ter essa noção e focar-te no teu trabalho. É treinar todos os dias para melhorar e estar preparado para quando o treinador considere que tens de entrar. É muito difícil porque ninguém vai pensar na situação que estás a passar como, por exemplo, de estar 6 jogos sem jogar e a gente espera que entres num jogo e faças logo a diferença. É muito difícil porque, isso, poucas vezes acontece. Então, tens que focar-te em que, tudo o que depende de ti, seja feito.

RM — É trabalhar em busca dos sonhos. Para concluir, queria te submeter umas questões rápidas onde só terás que escolher a resposta com a qual te identificas mais. Está bem ?

OT — Siga !

Questões com duas possibilidades de respostas.

RM — Já acabaram as perguntas e eu queria agradecer-te muito por teres aceitado o convite. Foi lindo e muito enriquecedor poder conversar sobre o jogo contigo.

OT — Qualquer coisa que precisares, estou cá. A verdade é que eu sempre ficava muito grato quando publicavas vídeos porque eu via que muita gente gosta de como eu vejo o futebol e valoriza coisas que, se calhar, na TV não se vê e nem saem nos resumos. Por isso, muito obrigado !

RM — No próximo jogo já tens clipes a serem publicados…

OT — **risos** Obrigado amigo !

Rémy Martins (https://twitter.com/remymrts)

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Remy Martins

Futebol, paixão pelo jogo e pela forma de o jogar. « Le football doit être plus que seulement gagner »