FC Porto x Famalicão : O pós quarentena coincidiu, inevitavelmente, com um eterno recomeço.

Remy Martins
8 min readJun 4, 2020
Diogo Costa — Uma imagem vale mais do que mil palavras, não é ? (Créditos — Transmissão Sport TV)

Numa altura em que se esperava mudanças, não só no dia a dia dos cidadãos, mas também no futebol, o FCP fez questão de contrariar essa esperança.

O FCP apresentou-se em Famalicão com o habitual 1x4x4x2, e com um onze bastante previsível. Manafá substitui o castigado Telles enquanto Pepe assumiu o lugar de Marcano (com dificuldades óbvias) enquanto um tal de Diogo Leite continuava sentado no banco (as usual).

Do outro lado, o João Pedro Sousa optou pelo um 1x4x2x3x1, com o Fábio Martins atrás do Toni Martinez, posicionando-se entrelinhas (o que salientou um grande problema posicional no conjunto portista).

Guarda redes — FAM : Defendi. FCP : Marchesin

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O que se passou dentro das quatro linhas ?

A equipa de Conceição, entrou em campo com o mesmo plano do jogo no Dragão, ou seja, sem bola o objetivo era condicionar ao máximo a primeira fase de construção do Famalicão. Pois, os pupilos do João Pedro Sousa costumam sair desde trás e assumir o jogo. Desta forma, o objetivo era de recuperar a bola em zonas altas e, consequentemente, criar perigo em transições (situações de 1x1, etc.). Na primeira parte, nesse aspecto, o FCP ainda pauperizou bastante a saída do Famalicão que teve dificuldades em ultrapassar a primeira linha de pressão e em progredir com bola no meio campo contrário .

Apesar de algumas recuperações vantajosas nessa zona, o Porto nunca soube aproveitá-las devidamente e nem criou muito perigo. Com bola, foi mais do mesmo. Os circuitos preferenciais do Porto são óbvios : Circulação em U constante, desaproveitando o corredor central.

Circulação em U — De corredor para corredor sem considerar o corredor central.

Donde surgiu o perigo ?

O Porto atacou a maioria do tempo pela direita onde a associação entre Corona e Otavio através de tabelas, criou lances de algum perigo. Procurou principalmente o espaço nas costas da defesa do Famalicão com bolas longa em destinação das corridas do Marega ou procurando o apoio do Tiquinho. Aliás, esse espaço nas costas da ultima linha do Famalicão é quase o único que o FCP quis descobrir. Tentou com bolas longas, saltando linhas, com muita esperança na conquista de segundas bolas ou com cruzamentos (bolas paradas incluídas). Houve lances de golos claros. Aproveitando esse espaço nas costas da defesa Famalicense, Marega teve uma oportunidade flagrante para abrir o marcador mas Defendi contrariou os seus planos. Depois, Soares, de cabeça, também viu Defendi negar-lhe o golo. Igualmente, Luís Diaz usufruiu duma situação clara para finalizar mas Rácic limpou, no limite, e evitou o que o colombiano causasse danos.

O FCP atacou quase sempre pelo lado direito onde Corona associou-se varias vezes ao Otavio que pisava zonas mais interiores.

Corona foi sempre o mais criativo e é cada vez mais evidente que é um desperdício tremendo que deva ser tão comprometido nas tarefas defensivas devido ao seu posicionamento (perda de lucidez, cansaço, etc.). Em si só, não aproveitar as qualidades do Corona, de maneira exaustiva, já é um problema para o FCP.

Foi ele que empatou aos 74’ minutos depois duma excelente recepção ao passe do Sérgio Oliveira. Inteligente na movimentação para área e cheio de classe quer no domínio e na finalização.

Golo Corona 74' / 1–1 FAMxFCP

Considerando isso, podemos identificar uma pergunta subjacente.

Qual jogador, trabalhando com o SC, tem, de forma clara, progredido ou sido valorizado no que faz dentro das quatro linhas ? Isto não devia ser a primeira grande satisfação de um treinador ?

Para refletir … Enfim, voltamos ao jogo.

O jogo evidenciou os problemas estruturais do FCP quer com e sem bola.

Com bola o desprezo pelo corredor central cria uma organização ofensiva demasiada estereotipada e que é tributária de descobrimentos de espaços nas zonas laterais com a finalidade de criar condições para viabilizar cruzamentos em direção da área contraria. A zona entre linhas (media / ataque) não é aproveitada. O Danilo e o Sérgio pisam muitas vezes as mesmas zonas e o Otávio não teve o comportamento necessário, sem bola, para ajudar nesse sentido.

Sem aquela capacidade de usar o jogo por dentro para atrair a pressão e abrir, depois, por fora, o FCP, muitas vezes, nem conseguiu assumir o controlo do jogo e, por conseguinte, optou pelas bolas longas que em, 70–80% dos casos acabam por favorecer a equipa adversaria que defende com uma maior facilidade de leitura porque está frente ao jogo.

Problemas evidentes na primeira fase de construção do FCP.

Da mesma forma, isto salienta a incapacidade da equipa do SC em controlar o jogo e, principalmente o ritmo desse mesmo. Com circuitos predefinidos, sem alternativas e versatilidade, o ritmo acaba por ser sempre o mesmo e, muitas vezes a criação de lances de perigo dependem de iniciativas individuais. Sem capacidade para reduzir o ritmo do jogo e gerir esse mesmo para sair favorecido, o FCP dificilmente consegue, a posteriori, acelerar o ritmo. Muitas vezes é preciso controlar e reduzir o ritmo para depois poder acelerar.

Por essa razão a dinâmica da equipa é condicionada e fica monótona.

Paralelamente, destaca-se uma falta de velocidade de raciocínio, principalmente nos protagonistas da primeira fase de construção. Essa velocidade caracteriza-se pela capacidade de leitura do jogo, considerando o tempo e espaço para encontrar o jogador que está na melhor zona para viabilizar o processo ofensivo. Isto também depende duma clarividência posicional, ou seja, posicionar-se na zona certa para perenizar o seguimento das interações entre jogadores. Neste sentido, a dupla Danilo x Sérgio O. ficou muito aquém das expectativas.

Ademais, muitas vezes, os Dragões precipitam-se em organização ofensiva. Os centrais optam por saltar linhas sem estabelecer, previamente, um circuito adequado para chegar no meio campo contrário. A incapacidade em criar situações de superioridade numérica na primeira fase de construção debilita muito o processo de organização ofensiva da equipa.

→ Quanto mais elaborada for esta fase de construção, mais desequilibrador será o processo ofensivo depois de ter ultrapassado a primeira linha de pressão.

« Quanto mais rápido a bola vai, mais rápido ela volta » J. Lillo

O Juanma Lillo ilustra perfeitamente, com esta declaração, o que acontece muitas vezes na fase de saída em construção do Porto.

Problemas inerentes a primeira fase de construção do FCP.

Além disso podemos realçar a falta de alternativas e de versatilidade dentro do modelo de jogo do Sergio Conceição. Esses problemas caracterizam-se com uma falta de mobilidade tremenda que impede o aparecimento de apoios frontais e a criação de espaços. Igualmente, a falta de um elemento que ligue o jogo entre linhas é obvia. Neste contexto acaba por ser muito complicado encontrar zonas onde apareça a possibilidade de desequilíbrio. De facto, o FCP se vê incapaz de atacar bem em espaços curtos.

Também, a constante repetição dos mesmos circuitos de passes inibe o raciocínio e a leitura clara do que se passa dentro das quatro linhas. Os jogadores que assumam o protagonismo na primeira fase de construção acabam por fazer circular a bola sempre da mesma forma como se fossem máquinas e sem se preocupar da possível existência de alternativas que possam permitir progredir com bola e oferecer mais valia.

Outra anomalia, com bola, que surge com grande frequência no modelo de jogo do SC, é aquele passe do lateral para o extremo junto à linha lateral. Nesse contexto, o extremo ( ontem aconteceu varias vezes com o Luís Diaz) está na boa zona mas nessa situação acaba por nunca estar bem posicionado (postura). Porquê ? Recebe a bola com as costas viradas para a baliza contrária e, na maioria dessas situações, não pode ver o que se passa ao redor porque está virado para linha lateral e para a bancada. De facto, fica bastante complicado de sair favorecido.

Enfim, a elaboração da primeira fase de construção, mesmo com o Famalicão a pressionar (muitas vezes) só com um elemento na frente, fazia-se, muitas vezes, com o Danilo ou Sergio O. junto dos centrais em 3+1. Essa situação não faz sentido tendo em conta a pouca pressão do adversário e o facto de ter tão pouca gente atrás dessa linha de pressão por dentro (muitas veze o único Sérgio Oliveira. O Otávio não baixava sistematicamente.)

A corolária estereotipização dessa saída coincidiu com o primeiro golo do Famalicão que soube aproveitar um erro tremendo do Marchesin nessa fase.

Golo Fábio Martins 46' / 1–0 FAMxFCP

Não deixa de ser algo tragicómico tendo em conta que, no Dragão, o Porto tinha marcado os três golos depois de perdas do Famalicão nessa mesma fase de construção …

Estas anomalias põe em causa o treino e as rotinas criadas.

Quais SSP (situações de simulações preferenciais) são trabalhadas ? Somente aquela circulação em U intempestiva ?

Quantos passes (em média) são efetuados em organização ofensiva para chegar ao meio campo contrário?

Da mesma forma, pode-se perfeitamente questionar as escolhas das substituições. Só duas substituições (Zé Luís e Aboubakar) depois duma paragem tão longa?

Num contexto específico em que o FCP precisava de desmontar a organização defensiva do Famalicão através de criatividade, sobretudo em espaços curtos, e com um Fábio Vieira pronto para assumir o protagonismo (até chegou a aquecer… para nada), as escolhas não deixam de ser incompreensíveis.

— > Problemas na transição defensiva e na organização defensiva — O controle do espaço entre linhas.

Sem bola, em organização defensiva, dentro do habitual esquema de 1x4x4x2 a defender, o FCP fez questão de evidenciar um problema estrutural : nunca controlou bem o espaço entre a linha média e a linha defensiva dentro do qual o Fábio Martins tinha total liberdade para movimentar-se e oferecer apoio frontal aos seus colegas. A intenção do Famalicão era principalmente essa, em saída, organizados em 2+2, procurava atrair os dois médios do FCP para explorar o espaço nas costas desses mesmo permitido pelo posicionamento do Fabio Martins ( não funcionou sempre porque, principalmente na 1a parte, o Porto o impediu e condicionou bastante a saída com pressão alta bem organizada mas foi encontrado, a posteriori, algumas vezes e dificultou a vida ao Porto).

Amostra do posicionamento entre linhas do Fábio Martins.
Amostra do posicionamento entre linhas do Fábio Martins.

Aliás , é nesse espaço concedido pelo Porto que nasce o segundo golo do Famalicão. Bastou uma simples tabela entre Pedro Gonçalves e Urso Racic (deu uma lição ao Danilo de como se joga nessa posição / encaixaria de feição no Porto) para ultrapassar a linha de pressão. Ainda por cima, a linha defensiva do Porto não reagiu bem, não soube quando tinha que encurtar (por causa duma má compreensão do tempo e espaço) e permitiu a progressão do Pedro Gonçalves no último terço.

Golo Pedro Gonçalves 77' / 2–1 FAMxFCP

Igualmente, o espaço libertado, regularmente, na esquerda pelo Otávio , que pressionava em zonas interiores foi muitas vezes a porta de saída na primeira fase de construção do Famalicão.

A isso, podemos acrescentar as imensas dificuldades do Pepe em assumir o papel de central esquerdo (coincidiu com lances de perigo : remate do Diogo Gonçalves na 1a parte, lance do pênalti…)

Considerando o acima exposto a vitória do Famalicão acaba por ser justíssima embora tenha existido grande eficácia. Parabéns ao João Pedro Sousa que ficou fiel às suas convicções e que não desistiu dos seus princípios de jogo. A vontade de sair a jogar e a abordagem ao jogo são de louvar !

O conjunto Famalicense não abdicou dos seus circuitos preferênciais embora tenha encontrado dificuldades na saída (principalmente na primeira parte) e acabou por sair favorecido !

A vontade de assumir o jogo tem que ser sempre salientada !

Rémy Martins

Essa imagem nem precisa de legenda. (Créditos — Transmissão Sport TV)

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Remy Martins

Futebol, paixão pelo jogo e pela forma de o jogar. « Le football doit être plus que seulement gagner »